segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A confissão


DESDE aquele momento em que se deixou levar por meu sentimento, Antonio tornou-se meu companheiro constante. Saíamos a nos divertir com amigos ou sozinhos; viajávamos ao interior em feriados prolongados e quando ele gozava alguma folga no hospital; enfim, apeguei-me progressivamente mais a ele e ele a mim.
            Não foi difícil introduzi-lo no convívio de meus familiares, já que todos o conheciam pelo fato de ter cuidado de meu avô durante seu internamento. Todos haviam se afeiçoado a ele, e descobri que os motivos para minha antipatia inicial não se sustentavam nas evidências – ele havia sido um médico dedicado e amoroso para com todos e principalmente para vovô. Muitas vezes o levei comigo à casa de meus avós quando ia visitá-los e ele aproveitava para conversar com seu paciente. Queria saber como se sentia e se estava adaptando-se bem à cadeira de rodas.  
            Tudo ia muito bem até o dia em que caminhávamos pela rua saindo da moradia e ele repentinamente estacou e puxou-me pelo braço. Encarou-me nos olhos repousando suavemente suas mãos sobre meus ombros e disse: -“Eu ainda estou casado”.
            Um frio me correu a espinha e senti as pernas pesarem. Apesar de ele ser um homem maduro, nunca havia pensado na possibilidade de ele ser comprometido. Ele havia me relatado que pouco antes de me conhecer desmanchara um namoro de três anos. Retrospectivamente considerei que sua resistência às minhas investidas bem poderia estar relacionada com aquela relação que recentemente findara, e ele confirmou. Disse-me que quando me conhecera acabara de despachar a namorada e sentia-se cansado dos “vai-e-vem do amor”. Morri de rir quando ele usou tal expressão, mas conseguiu me fazer entender o que sentia então.
            Agora ele estava ali, em meio à multidão da rua, olhando para mim e confessando seu inesperado estado civil. Ficamos naquela posição por pouco tempo, mas a mim me pareceu que o tempo parara, ou que uma espécie de eternidade suspensa iniciara. Empurrei-o para dentro de uma livraria próxima e ele então continuou.
            Disse-me que quando viera para cá seu casamento estava virtualmente acabado, e que não regularizara a situação do ponto de vista legal porque sabia que sua mulher iria litigar e que isso em nada ajudaria durante seu estágio no hospital. Queria tranqüilidade para estudar e trabalhar. Além disso, havia as crianças; não tivera tempo de conversar com elas sobre o que estava acontecendo entre seus pais. Pesava também a questão financeira; não seria aquele o momento de pedir o divórcio, enfim.
            A namorada que tivera e da qual se livrara há pouco era, na verdade, uma amante. O mau estado de seu casamento abria-lhe a esse tipo de relacionamento sustentado basicamente pelo sexo. Estava cansado, de fato. Estivera apaixonado por ela por algum tempo, ao início do caso, mas descobrira que era insaciável. Um homem lhe seria pouco. Até que não foi de todo mau essa descoberta – fora-se-lhe o encanto e a magia.
            Em todo caso, queria deixar claro para mim em que pé estavam as coisas. Não havia me contado o caso desde o início porque não mais se sentia casado, ainda que admitisse que isso de nada valia sem a regularização legar e judicial da situação. Por fim, foi categórico: -“Não sei o que vai acontecer quando voltar para casa...”
            Não dei uma palavra durante nem após suas explicações. Tudo me parecia muito louco e jamais acontecera nada daquilo comigo. Meu silêncio deve tê-lo perturbado de alguma forma porque disse: -“O que você decidir, assim será”. Em suma, ele punha sobre mim o ônus de decidir se seguiríamos juntos ou não. Eu não sabia o que pensar depois dessa última frase. Poderia tirar inúmeras conclusões a partir dela, algumas corretas, outras nem tanto; e por isso tive medo.
            Tive medo, por exemplo, de que aquela transferência de responsabilidade significasse minha pouca importância em sua vida; tive medo de que ele repensasse sua canseira com os “vai-e-vem do amor” e resolvesse, sob a mínima pressão, terminar tudo; tive medo do que iria nos acontecer no futuro e do que iria me acontecer caso tomasse uma decisão precipitada; enfim, nada queria dizer ou insinuar.
          Mantive-me em silêncio; peguei sua mão, virei-me para a saída e o puxei comigo. Continuamos a andar em direção a nosso destino – íamos almoçar num belo restaurante próximo. Voltaríamos a falar sobre tudo aquilo noutra oportunidade, provavelmente quando chegasse o momento de ele partir de volta à sua cidade.           

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